Kelly Durazzo e Diana Nacur abordam a responsabilidade civil dos Prefeitos que insistem em legislações municipais ilegais sobre o ITBI e seu fato gerador, obrigando o contribuinte ao seu recolhimento em momento anterior ao registro do título junto ao cartório de imóveis, contrariando legislação civil e decisão vinculante do STF.

“Quem não registra não é dono!”

Essa é, talvez, a frase mais dita por todos aqueles que atuam de alguma forma com a transferência da propriedade de imóveis no Brasil.

Nesse cenário, outro conhecimento notório diz respeito à necessidade de recolhimento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Intervivos (ITBI), tributo municipal que incide no momento de transmissão de uma propriedade.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1294969, reafirmou a jurisprudência dominante e esclareceu que o ITBI somente é devido com a transferência da propriedade imobiliária, efetivada mediante o registro junto ao cartório de Registro de Imóveis.

A decisão do Tribunal se apoiou nos artigos 108, 1.227 e 1.245 do Código Civil, que são claros ao dispor que a transferência da propriedade somente ocorre mediante registro da escritura pública no cartório de Registro de Imóveis. Portanto, os compromissos de compra e venda e as cessões de direito não constituem transmissão da propriedade e não configuram fato gerador do ITBI.

Porém, grande parte dos Municípios adotou um entendimento alternativo que lhes favorece. Ou seja, para essas prefeituras o ITBI seria devido no ato de formação do título de promessa de compra e venda do imóvel ou na cessão de direitos que possuem condição resolutiva condicionada ao pagamento integral do preço do imóvel.

Na prática, em casos de financiamento, por exemplo, esse entendimento peculiar pode adiantar em vários anos a cobrança do ITBI para o momento da assinatura do compromisso de venda e compra do imóvel, ao invés de ser cobrado apenas após a quitação total do bem e seu consequente registro no assento tabular.

O julgamento em sede de repercussão geral do STF teve efeito vinculante em relação aos juízes e aos tribunais e, como se estabelece na legislação processual civil, deve ser aplicado obrigatoriamente em outros casos discutidos no judiciário. Assim sendo, entendimento diverso não poderia ser admitido também na esfera administrativa, o que torna incompreensível a insistência de qualquer interpretação diferente dada por algumas prefeituras. Fato é que muitas Municipalidades ainda mantêm legislações contrárias à decisão do STF.  

Esse entendimento municipal e a prática da cobrança do citado imposto demonstram um evidente desconhecimento e desprezo à legalidade, implicando no uso abusivo da supremacia administrativa de imputação do recolhimento de um imposto indevido sem deixar alternativa para o contribuinte, senão o ingresso de ação judicial para discutir o caso individual e sobrecarregar o Judiciário.

Vale lembrar que de acordo com a Lei dos Notários, esses profissionais devem seguir o que está na lei municipal. Ou seja, ainda que tenham convicção contrária e desejem respeitar a legislação federal e o entendimento jurisprudencial, os notários devem exigir recolhimento do imposto, pois são colocados na posição de responsáveis tributários, nos termos da Lei 8.935/94:

Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro:

(….) XI – fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar;

Neste sentido, não adianta a sociedade questionar a cobrança do ITBI durante o ato notarial. A exigência deve recair sobre os Prefeitos, que devem responder não somente por danos causados ao erário na sua administração dolosa ou culposa, mas também por danos causados à sociedade em situações como esta, pois não seguem a decisão da Corte Suprema, além de patrocinarem leis municipais que contrariem a legislação nacional.

Esta até poderia ser apenas mais uma situação do “Custo Brasil”, por se apresentar como mais uma das dificuldades que engessam a celebração de negócios e acaba por comprometer o crescimento do país.

Porém, a discrepância entre a previsão na legislação federal e a realidade prática do cotidiano municipal é tão evidente que a necessidade de levar a questão à esfera judicial deixa de ser uma mera alternativa, sendo o único caminho para se buscar o reparo a um “abuso”, diante da aplicação equivocada da lei e do entendimento vinculante dos Tribunais Superiores.

O saudoso jurista Hely Lopes Meireles em uma de suas obras define que a responsabilidade do prefeito será analisada “sob o tríplice aspecto penal, político-administrativo e civil, visto que no desempenho de suas funções poderá incidir em qualquer desses ilícitos, dando ensejo à respectiva sanção, aplicada em processos distintos e independentes.” LOPES MEIRELLES, Hely.Direito Municipal Brasileiro. 12º Edição. Ed.Malheiros pág. 94.

Temos em nosso ordenamento várias legislações atribuindo responsabilidades aos Prefeitos, seja responsabilidade fiscal (lei n.º 7.347 de 24/07/85), responsabilidade por atos de improbidade administrativa (Lei nº 8.429, de 02/06/92), responsabilidade civil (art. 37,§ 6º da CF) ou responsabilidade popular (Lei nº 4.717, de 29/06/65).

Infelizmente, para não ser lesado, o contribuinte deve seguir o ardoroso caminho da ordem judicial que determine a aplicação da legislação federal e da jurisprudência vinculante para garantir seu direito de recolher o ITBI apenas quando efetivamente realizar a transferência do imóvel para sua titularidade.

Mas cabe a reflexão: a sociedade e o Ministério Público também não deveriam buscar a alteração das legislações e a responsabilização dos Prefeitos em virtude das cobranças ilegais de ITBI?