Alterações antes praticamente impossíveis por falta de quórum, agora terão tempo para serem debatidas

Por Kelly Durazzo e Moira Toledo

Há uma frase famosa atribuída a Winston Churchill que diz que a “democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras”. A ideia é um bom paralelo para Assembleias de Condomínio, Clubes e Associações, reuniões conhecidas pela baixa participação dos moradores e associados, mas ainda assim a forma mais democrática de se tomar esse tipo de decisão.

A boa notícia é que essa baixa participação pode estar com os dias contados, aumentando consideravelmente a qualidade, a representatividade das decisões tomadas e o senso de pertencimento.

A realização das assembleias em suporte digital, não apenas aumenta o seu quórum, mas contribui para a otimização dos debates, do tempo de duração e “dá voz” igualitária aos condôminos, viabilizando a tomada de decisões de maneira muito mais participativa e atenta ao bem comum daquela comunidade específica.  

Durante a pandemia foi necessário que as reuniões assembleares se dessem em suporte digital, sendo que sua utilização em larga escala permitiu aprendizados importantes, que viabilizaram a propositura de uma modificação madura do Código Civil no capítulo referente à administração do condomínio para a sua previsão legal, embora já fossem possíveis antes disso. 

A grande responsável pelo maior envolvimento dos moradores no dia a dia de seus condomínios e dos associados em seus clubes pode ser a Lei Federal 14.309, de 8 de março de 2022, que positivou a opção da realização da assembleia digital estabelecendo seus requisitos mínimos de validade, bem como  o conceito da “sessão permanente”, cuja viabilidade ainda era controversa nos tribunais. (Vide: TJSP 37 Câm. 0004604-15.2013.8.26.0045 Rel. Felipe Ferreira. j. 08/01/2018. TJDF 0707462-42.2017.8.07.0020 Rel. José Divino. j. 05/09/2018. STJ 3 Turma. Resp.1120140 MG 2009/0016163-4. Rel. Massami Yueda. j.).

De acordo com legislação, decisões que exijam quórum especial permitirão que as assembleias sejam convertidas em “sessão permanente”, mediante a concordância da maioria dos presentes, e desde que respeitadas as premissas estabelecidas pela lei.

É necessário que tanto os votos já manifestados, como o debate realizado pelos participantes da reunião inicial fiquem registrados na ata, sendo agendada nova data para seguimento dos trabalhos, com consignação dos temas a serem votados, em até 60 dias. Os presentes já devem sair convocados, sendo as unidades ausentes devidamente cientificadas da conversão realizada e também convocadas para a nova sessão com a pauta específica a ser decidida.

O complemento da deliberação poderá se dar presencialmente em um novo encontro, ou de forma virtual. Todas essas regras devem estar claras no edital de convocação.

Alterações que antes eram praticamente impossíveis de serem alcançadas por falta de quórum, ainda que fossem do interesse da imensa maioria, agora terão tempo mais que suficiente para serem debatidas e aprovadas. Isso inclui questões como a atualização das convenções condominiais, a permissão para aluguel de curta temporada por meio de aplicativos, a definição de vagas de garagem e reformas que alterem a destinação inicial de determinados equipamentos de prédios residenciais, por exemplo.

É o fim daquelas reuniões de condomínio em uma terça-feira à noite chuvosa na qual a grande parte dos interessados não consegue voltar para casa a tempo e os poucos participantes não têm legitimidade para aprovar propostas que seriam aprovadas facilmente se todos os envolvidos tivessem a oportunidade de depositar seus votos eletronicamente em uma hora e data mais conveniente.

Vale ressaltar que a experiência das assembleias “em sessão permanente”, ainda conhecidas como “abertas” ou “continuadas”, já vinha sendo aplicada por alguns condomínios e associações mais vanguardistas com algum sucesso. Isto pois, os tribunais de modo geral, conhecem as práticas condominiais e reconhecem a dificuldade de obter quórum qualificados, em especial, quando o volume de unidades existente é grande. 

Nessa esteira, em alguns casos, mesmo anterior à vigência da lei citada, passaram a admiti-la desde que cumpridos todos os requisitos da lei e da convenção, convocada a reunião regularmente com pauta correta, decidida a sua permanência por até 30 dias com data para seu final e preservada a boa-fé, requisitos que impunham um alto grau de subjetividade e acabavam por implicar em certa insegurança jurídica.

A lei nova resolve essa insegurança ao positivar sua possibilidade e objetivar seus requisitos de validade, incluindo ainda a disciplina do suporte digital, de maneira suficientemente aberta para acomodar o desenvolvimento tecnológico e as inovações.   

É inegável a segurança jurídica conferida pela Lei 14.309, uma vez que não era incomum a anulação no judiciário de Assembleias que adotassem um formato um pouco menos rígido. Mais certo ainda é que devemos assistir dentro em breve uma participação muito maior de condôminos e associados em decisões que regem seu dia a dia. Não será surpresa se tomarem gosto pela participação democrática e se perguntarem como isso pode ser estendido para a vida pública, já que os modelos atuais de participação popular são pouco eficazes.

Kelly Durazzo e Moira Toledo são advogadas e, respectivamente, sócia do Durazzo & Medeiros Advogados e presidente da Coordenaria da Comissão de Loteamento da OAB/SP; e diretora de risco e governança da Lello Imóveis e vice-presidente de Administração de Imóveis e Condomínios do Secovi-SP.