Desembargadores continuam a manter penalidade entre 10% e 25% do valor já pago

Por Adriana Aguiar — De São Paulo

Pessoas que compraram terrenos e tiveram que desfazer seu negócio com loteadoras ou incorporadoras, em consequência da crise financeira, têm conseguido afastar no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) altos valores de multa. A penalidade estabelecida pela Lei dos Distratos (Lei nº 13.786, de 2018) vem sendo considerada abusiva na Corte paulista.

Levantamento realizado pela presidente da Comissão de Loteamento da OAB/SP e conselheira jurídica da Associação das Empresas de Loteamento (Aelo), a advogada Kelly Durazzo, do escritório Durazzo & Medeiros Advogados, analisou mais de 30 decisões proferidas pela Corte de 2020 até agora, em contratos firmados após a entrada em vigor da lei: todas negam a aplicação da norma.

No caso de rescisão, a Lei dos Distratos prevê a devolução parcelada do que foi pago em até 12 vezes e multa de até 10% do valor total do contrato. O tribunal tem afastado essa aplicação por entender que essas cláusulas seriam abusivas, e, portanto, nulas, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC). As decisões mantêm o dever de devolução imediata dos valores quitados, com multa que varia entre 10% a 25% apenas do que já foi pago.

Neste sentido, existem decisões da 1ª à 10ª Câmaras de Direito Privado do TJSP – competentes para julgar ações desse tipo -, com exceção da 9ª Câmara onde não foram localizados julgados a respeito, segundo o levantamento.

A conclusão é de que, mesmo com a edição da nova lei, nada se alterou no Judiciário, segundo Kelly. “É como se a lei não existisse”, diz.

Para a especialista, a lei teria que ser aplicada, mesmo que considerando o Código de Defesa do Consumidor, “mas de forma mais equilibrada para as partes”. Segundo a advogada, o Judiciário está deixando de olhar o lado das loteadoras, que podem quebrar e deixar de gerar milhares de empregos no país, por ter que pagar esses valores de forma imediata.

Em maio, a 2ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP foi unânime ao entender que, mesmo que o contrato tenha sido celebrado após a entrada em vigor da Lei nº. 13.786/2018, “a aplicação dos descontos previstos poderá implicar o perdimento quase total dos valores pagos pelos autores, o que não se pode admitir”, segundo o desembargador José Joaquim dos Santos.

No caso, um terreno de cerca de 400 metros quadrados havia sido comprado, e, segundo trecho da sentença copiada na decisão, se aplicada a nova lei, os adquirentes perderiam praticamente tudo o que pagaram e, provavelmente, ainda ficariam devendo valores.

Assim, mantiveram a sentença que determinou reduzir a multa compensatória para 20% dos valores pagos, devendo o restante ser devolvido imediatamente (apelação cível nº 1022874-21.2021.8.26.0100).

Esse mesmo entendimento também foi aplicado por unanimidade pela 4ª Câmara, em março. Segundo o desembargador Fábio Quadros, “a relação jurídica havida entre as partes é regida pelo Código de Defesa do Consumidor e, em que pese a novel legislação disciplinadora do distrato, a interpretação a ser dada entre as duas normas que devem conviver de forma equilibrada é a aquela que favorece e protege consumidor”.

Os desembargadores ressaltaram ainda que já existe jurisprudência reiterada na Corte, que aplica nesses casos a Súmula nº 1, do TJ-SP. O texto diz que “o compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem”.

Declararam que o percentual a ser retido deverá ser fixado em 25% dos valores pagos, sem qualquer outro desconto, e esses valores devem ser devolvidos de uma única vez, em consonância com a Súmula nº 543 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (apelação cível 1010726-97.2020.8.26.0007).

Na 7ª Câmara de Direito Privado do TJSP, os desembargadores também foram unânimes ao entender que “a incidência da sobredita lei [Distratos] não é irrestrita, e deve ser analisada em cotejo com o Código de Defesa do Consumidor”.

O relator, desembargador Luiz Antonio Costa, entendeu que a cláusula penal estabelecida em 10% do valor total do contrato, como prevê a Lei dos Distratos, seria “extremamente onerosa ao comprador”. Isso porque resultaria em pagamento de aproximadamente R$ 30 mil, sendo que foi pago à vendedora um total de R$ 34,8 mil. “Ou seja, a multa perfaz quase que a totalidade do valor pago, o que revela a abusividade”. Assim, considerou que a penalidade deve ser de 10% dos valores efetivamente quitados (apelação cível nº 1026028-53.2021.8.26.0001).

Contudo, a não aplicação da penalidade prevista na Lei dos Distratos traz prejuízos enormes às loteadoras, segundo Kelly Durazzo. Isso porque, além de devolver à vista os valores que receberam, elas terão que fazer nova vistoria, demolir se já houver construção no terreno, pesquisar se existem dívidas e preparar tudo novamente para colocar à venda – fora a perda dos impostos já pagos, no caso das empresas de lucro presumido, de 6,53% de PIS, Cofins e CSLL.

As decisões realmente têm trazido insegurança jurídica ao setor imobiliário, afirma a gerente jurídica da Ibiaçu Loteamentos, Rosangela Favarin. “A lei veio para deixar as regras mais claras, mas não está sendo aplicada”, diz.

Rosangela afirma que comparou decisões anteriores à Lei do Distrato com as posteriores, com relação às condições de devolução dos valores pagos e das penalidades aplicadas e não teve mudança alguma. Para ela, são poucas empresas do setor que têm caixa para suportar essas devoluções à vista. Especialista em Direito Imobiliário, Carlos Eduardo Alves Lazzarin, do Karpat Advogados, afirma que, em muitas dessas decisões, os consumidores são vencedores porque conseguem comprovar em juízo a incapacidade financeira, principalmente em decorrência da pandemia, para manter o contrato. E que, com base no artigo 413, do Código Civil, de 2002, segundo o qual o juiz tem a obrigação de reduzir a penalidade excessiva, e o CDC, os magistrados podem adequar cada caso. Para ele, contudo, tem faltado às incorporadoras demonstrar nos processos que também estão em desequilíbrio econômico, com a alta de insumos, decorrente da pandemia

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